segunda-feira, 25 de março de 2013

Democracia ou dragões?


/ TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK, É COLUNISTA, THOMAS L., FRIEDMAN, THE NEW YORK TIMES, / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK, É COLUNISTA, THOMAS L., FRIEDMAN, THE NEW YORK TIMES - O Estado de S.Paulo
Neste décimo aniversário da invasão americana do Iraque, três coisas estão claras. Primeiro, haja o que houver no Iraque, nós pagamos demais por isso em vidas, dinheiro e enfoque. Segundo, pode-se pagar demais por alguma coisa decente e pode-se pagar demais por um lixo absoluto.
Pelo que exatamente nós pagamos demais no Iraque ainda não está claro e será decidido pelos iraquianos. Terceiro, por mais que queiramos esquecer do Iraque, o que se passa nesse país tem uma importância maior do que nunca para o Oriente Médio.
Dada sua história de ditadura brutal, o Iraque poderia parecer o último lugar do Oriente Médio onde deveríamos ter tentado ajudar a criar uma democracia autônoma. Aliás, era o mais importante. Basta olhar a Síria para compreender por quê.
O Iraque era constituído por todas as seitas que povoam os diferentes países árabes e foram mantidas unidas nos últimos 50 anos por ditadores com pulsos de ferro. Se os iraquianos pudessem demonstrar que, uma vez removido seu ditador, as comunidades constituintes do Iraque (xiitas, sunitas, curdos, turcomanos, cristãos) poderiam forjar seu próprio contrato social para viverem juntas em paz - em vez de ser governadas brutalmente de cima para baixo -, então algum tipo de futuro democrático seria possível para todo o mundo árabe.
Essa possibilidade ainda não foi preenchida. Derrubamos o ditador do Iraque. As pessoas fizeram o mesmo na Tunísia, Egito, Iêmen, Líbia e, em breve, Síria, mas as mesmas perguntas persistem sobre: conseguirão produzir governos representativos, decentes, estáveis? Poderão xiitas, sunitas, curdos, cristãos - ou secularistas e islamistas - viverem juntos como cidadãos e dividirem o poder? Se puderem, a política democrática terá um futuro na região. Se não, o futuro será um pesadelo hobbesiano onde ditadores com pulso de ferro são removidos, mas são substituídos por seitas, gangues e tribos rivais, tornando impossível a governança decente necessária para o desenvolvimento humano de milhões de árabes.
Hoje, não há ninguém de fora - otomanos, europeus, americanos, a Liga Árabe ou a ONU - que queira governar no lugar de ditadores e não há ditadores que possam manter seus punhos de ferro. Portanto, ou as comunidades desses Estados árabes encontram um jeito de dividir o poder, ou todo o mundo árabe vai ficar como uma daquelas regiões em mapas medievais rotulada: "Cuidado, Aqui Há Dragões".
É por essa razão que o processo de paz mais importante no Oriente Médio hoje é o necessário entre sunitas, xiitas, cristãos, curdos, bem como islamistas e secularistas. Apesar de nossos dispendiosos erros - e de todos os vizinhos do Iraque e jihadistas sunitas que tentam fazer o Iraque fracassar (veja-se a mortandade de terça-feira) -, acabamos ajudando os iraquianos a escreverem sua própria Constituição democrática para resolver politicamente suas diferenças, se assim eles quiserem. Nenhum dos outros Estados árabes em transição tem uma parteira externa ou um Nelson Mandela interno para fazer isso. Todos estão num início de lutas duras e prolongadas.
Os interessados no que está realmente ocorrendo hoje no Iraque deveriam ler o extenso artigo sobre o décimo aniversário de Roula Khalaf no Financial Times de sábado, 16 de março, que mostra um país progredindo e regredindo ao mesmo tempo. "Saindo da Universidade de Bagdá", ela escreveu, "eu sentei num miniônibus e conversei com estudantes. Alia, um moça de 24 anos que está fazendo mestrado em biologia, diz que os jovens estão tendo acesso à internet, a dezenas de canais via satélite que foram estabelecidos no Iraque, e acrescenta que, apesar da luta política entre a elite, não há nenhum sentimento de divisão entre sunitas e xiitas na universidade. Mas ela também está descontente, sua família está permanentemente preocupada com seu paradeiro. "Liberdade é importante, mas não me dá o suficiente", diz ela. "Liberdade é fazer o que você quer, e não apenas falar." Essa estudante representa a esperança do Iraque. Acredito que o verdadeiro agente da mudança em sociedades pós autoritárias é algo que leva anos para se desenvolver. Chama-se "nova geração", uma que pense e aja de maneira diferente da geração de seus pais.
Os primeiros protestos democráticos de massa contra Vladimir Putin começaram quase 21 anos após o fim do comunismo. Poderá o Iraque conhecer uma estabilidade política e sectária suficiente para que uma geração possa crescer lendo o que quiser, viajando para onde quiser - e, no processo, produzir iraquianos suficientes que pensem em si mesmos como cidadãos dispostos e capazes de viver em paz com outros grupos. A Europa não construiu a democracia da noite para o dia; o Iraque seguramente não poderá fazê-lo.
"A sociedade iraquiana sob Saddam ficou traumatizada, e o impacto de 35 anos de regime autoritário não se dissipará rapidamente", diz Joseph Sassoon, professor nascido em Bagdá, hoje na Universidade de Georgetown e autor de "Saddam Hussein's Ba'th Party: Inside an Authoritarian Regime".
Talvez leve duas gerações para essas vozes jovens da Universidade de Bagdá prevalecerem. Ou mais tempo ainda. Ou poderá não ocorrer jamais.
Qualquer olhar honesto ao Iraque de hoje revela sementes de sociedade civil brotando e o sectarismo venenoso se espalhando. Pelo seu bem, pelo bem da estabilidade do mundo árabe e pelo bem de todos que se sacrificaram para que os iraquianos pudessem ter uma oportunidade de governança decente, espero que o vigésimo aniversário seja ocasião de um julgamento mais positivo.
SNB

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