segunda-feira, 25 de março de 2013

A tristeza de ver o Líbano virar uma ilha


O Líbano virou uma ilha. Verdade, se olharmos no mapa, o território libanês está no continente asiático. Mas, na prática, seria como se os libaneses estivessem cercados por mar por todos os lados sem ter para onde fugir. Nunca na história libanesa a situação foi tão dramática.
Se a guerra civil da Síria se expandir para Beirute e o aeroporto fechar, ou se Israel entrar em conflito armado contra o Hezbollah, como apostam muitos analistas, os libaneses não terão para onde fugir, diferentemente do que ocorria em cenários similares no passado.
Nos anos 1970 e 80, durante a guerra civil do Líbano, ou no conflito de 2006 entre Israel e Hezbollah, mesmo quando o aeroporto de Beirute fechava, os libaneses possuíam a chance de se refugiar na Síria, usar o aeroporto de Damasco ou cruzar o território sírio por terra até a Jordânia e a Turquia. Outra opção era pegar um barco e ir para o Chipre, não muito distante, no Mediterrâneo.
Agora não existe mais a opção cipriota, que diante de sua crise não teria como receber refugiados libaneses, e tampouco a síria, em guerra. A israelense continua fechada. Os libaneses não tem para onde fugir se a frágil estabilidade do país entrar em colapso. Literalmente, o Líbano virou uma ilha entre o Mediterrâneo e a Ásia.
Por mais que a administração de Barack Obama tente mostrar o inverso, a oposição síria está extremamente insatisfeita com os Estados Unidos. O desgaste é tanto que levou até à renúncia do presidente da Coalizão de Oposição da Síria, Moaz al-Khatib pela insatisfação com a falta de apoio americano e a influência negativa do Qatar e da Arábia Saudita que querem apenas amparar as facções mais radicais dos opositores.
O New York Times pode trazer a reportagem com a operação da CIA em coordenação com os governos árabes e a Turquia para levar armamentos para os opositores. Mas todos sabem que estes continuam indo para as mãos de rebeldes mais radicais e os próprios líderes das alas mais laicas falam isso abertamente.
A saída de Khatib é uma perda enorme porque ele era um dos poucos capazes de estabelecer canais de negociação com o regime de Damasco. Obama estava certo ao não se envolver na Síria. Mas já que, nas últimas semanas, decidiu entrar na bagunça, ele não pode continuar dando aval para turcos, sauditas e qatarianos apoiarem radicais.
Note que o coronel Riad al Asaad, um dos primeiros comandantes militares da oposição, foi ferido ontem em um carro-bomba e precisou amputar o pé. Alguns líderes opositores acusam uma agência de inteligência estrangeira ligada ao Ocidente.
Vejam o comunicado de Khatib sobre o ataque a Asaad – “A tentativa de assassinar o coronel al-Asaad em Deir al-Zor é parte de uma tentativa de assassinar os líderes livres da Síria”. E estes, segundo ele disse em declarações nas últimas 24 horas, são aqueles que estão contra o regime de Assad e ao mesmo tempo contra a influência negativa de governos árabes, da Turquia e dos EUA.O premiê do Líbano, Najib Mikati, renunciou nesta noite em Beirute. Houve, para a sua renúncia, alguns fatores externos ligados à Síria. Mas outras questões domésticas do Líbano independentemente do conflito no país vizinho foram determinantes para a saída do primeiro-ministro.
Primeiro, vou mais uma vez didaticamente explicar o sistema político libanês. O presidente precisa ser cristão maronita; o premiê, muçulmano sunita; e o presidente do Parlamento, xiita. O gabinete ministerial também é distribuído de acordo com as religiões, incluindo algumas minoritárias, como os cristãos ortodoxos e os armênios.
Metade do Parlamento é destinado aos muçulmanos, com subdivisões para sunitas, xiitas, alauítas e drusos (contam como muçulmanos). A outra metade é para os cristãos, com predomínio dos maronitas, embora com cadeiras para ortodoxos, melquitas, armênios e outras minorias cristãs.
Hoje, no país, existem duas correntes políticas. A governista se chama 8 de Março, composta pelos xiitas do Hezbollah e da Amal, cristãos seguidores de Michel Aoun e alguns sunitas como o próprio Mikati. Embora não seja tão próximo do Hezbollah, ele era o primeiro-ministro. Esta facção é politicamente próxima do regime de Assad e, em menor escala, do Irã.
Os opositores são da 14 de Março, majoritariamente composta por sunitas seguidores do ex-premiê Saad Hariri e cristãos ligados a Samir Gaegea, líder da milícia cristã maronita Forças Libanesas. Praticamente não há xiitas. Eles são próximos dos EUA e da Arábia Saudita.
Existem, além destes dois grupos, alguns neutros, como Walid Jumblat, líder druzo, que navega entre as duas coalizões de acordo com os ventos do Oriente Médio. O presidente, Michel Suleiman, um general cristão, busca manter a neutralidade. A França, como força externa, também tem aliados nos dois lados.
Nos últimos anos, passaram a surgir algumas facções sunitas extremistas, conhecidas como salafistas, com um perfil anti-Hezbollah e anti-Israel (isso mesmo que está escrito).
Desde a saída da retirada das tropas sírias, em 2005, há instabilidade política no Líbano e mesmo atentados terroristas ocasionais. Neste momento, existe um impasse sobre a lei eleitoral e a prorrogação do mandato de um líder das forças de segurança. Algo que ocorreria mesmo sem a guerra civil na Síria.
No caso da lei eleitoral, os cristãos dos dois lados mais os xiitas querem mudanças. Os sunitas, incluindo Mikati e os opositores, assim como druzo Jumblatt, não. Houve um rompimento nas linhas existentes anteriormente.
O problema é que, agora, não dá para fechar os olhos para o conflito no país vizinho que pode se expandir para o Líbano. Há confrontos quase diários em Trípoli, no norte do país, envolvendo alauítas e sunitas que são, respectivamente, a favor e contra Bashar al Assad. Xiitas (não é a mesma coisa que alauítas) também atacaram sunitas e vice-versa. Este temor pesou, sem dúvida, na decisão de Mikati.
 O Estado de S. Paulo..SNB

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