sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Margaret Thatcher deixa legado controverso no Reino Unido


Em um quarto escuro, uma idosa vestindo uma camisola de algodão tem mais uma de suas recorrentes alucinações, nas quais discute com o marido morto. Nervosa, ela recosta-se à porta e pronuncia uma frase que remonta a seus tempos de primeira-ministra do Reino Unido. "Tome as decisões difíceis e, sim, as pessoas vão odiá-la hoje, mas lhe agradecerão por gerações."
A cena, do filme “A Dama de Ferro”, que estreia nos cinemas do Brasil nesta sexta-feira, mostra a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, interpretada pela atriz Meryl Streep, já em estado de demência senil. A frase busca justificar as medidas controversas que tomou em seus 11 anos de governo (1979-1990), que, na avaliação de alguns políticos e especialistas, restauraram a grandeza e o prestígio britânicos, enquanto, na opinião de outros, deixaram o país mais vulnerável a crises econômicas.
Resenha: Meryl Streep vale o ingresso para "A Dama de Ferro"Nenhum político britânico no século 20 foi tão admirado quanto ela e ao mesmo tempo tão odiado”, afirmou ao iG Rodney Barker, professor emérito da London School of Economics.
Sob a premissa de que o mercado em vez do Estado pode servir melhor a sociedade, Thatcher adotou medidas que ajudaram a reviver o país e a colocá-lo em um caminho de recuperação após a crise dos anos 70, mas também abriram caminho para um desemprego massivo, o aumento da desigualdade social e a triplicação da pobreza infantil entre 1979 e 1995.
A transição no Reino Unido de uma economia industrial para uma economia financeira sujeita aos humores do mercado ocorreu sob a tutela de Thatcher. Houve redução da emissão monetária, elevação nas taxas de juros e abolição nos controles dos fluxos financeiros.
"Há o argumento de que as mudanças que causaram a desregulamentação da economia deixaram o Reino Unido extremamente vulnerável à crise financeira de 2008", afirmou a professora de História Moderna Britânica do King's College Eliza Filby. No entanto, a autora do livro “God and Mrs. Thatcher” (Deus e a Sra. Thatcher), que será publicado neste ano, acrescenta que há outros aspectos a ser considerados, como o enfraquecimento do capitalismo ocidental e a emergência de novas economias, como o Brasil, a China e a Índia.
Sob a bandeira neoliberal, Thatcher privatizou a habitação pública e gigantes estatais nos setores de siderurgia, telefonia, gás, água, eletricidade e de empresas aéreas. Seu combate à inflação surtiu efeito – o índice diminuiu de 18% em 1980 para 8,6% em 1982 –, mas a um custo.

Foto: ReproduçãoAmpliar
Meryl Streep interpreta a ex-premiê britânica Margaret Thatcher no filme 'A Dama de Ferro'

A ex-premiê promoveu a redução drástica do gasto público, provocando um enfraquecimento generalizado do amparo do Estado, difundido no Reino Unido desde o fim da Segunda Guerra (1939-1945). Por exemplo, seu governo abandonou o compromisso com o pleno emprego, afirmando que isso era uma responsabilidade entre empregadores e empregados, sendo a prioridade governamental manter a inflação baixa.
O número de desempregados aumentou, chegando a uma média de 3,3 milhões em 1984, ou aproximadamente 6%. Em regiões mais afetadas pelas perdas industriais, como o norte irlandês, o desemprego chegou perto dos 20%.
Para Barker, Thatcher deixou um legado negativo para as gerações posteriores. Com sua ascensão política, houve o fortalecimento de um ideário cujas figuras centrais eram a iniciativa privada e o livre mercado, tirando do Estado o dever do planejamento e de assistência.
Segundo ele, seu ideário era tão forte que se estendeu até mesmo à linguagem da prestação de serviços, na qual todo o tipo de relação foi reduzido a uma troca comercial. De acordo com o professor, sob o chamado “thatcherismo”, todos se tornaram clientes de um mercado: um homem internado em um hospital não era um paciente, era um cliente; uma mulher em um trem não era uma passageira ou uma viajante, mas uma cliente. "Havia uma piada que dizia que se você ia à igreja, não era um fiel, mas sim um cliente de Deus", comentou.
Ainda assim, Thatcher elegeu-se por três vezes consecutivas, pois suas políticas, embora impopulares, responderam às urgências de um país em crise.
Acertos da Dama de Ferro
O professor de História Moderna do King’s College Richard Vinen aponta que, sob sua liderança, o Reino Unido se tornou um país mais rico, o setor privado se fortaleceu e a máquina estatal desinchou e perdeu custos.
Em grande parte, Thatcher se tornou premiê em 1979 por ser uma alternativa ao governo trabalhista anterior de James Callaghan (1976-1979), marcado por uma crise profunda e inflação que fizeram com que o Reino Unido recebesse a alcunha de “o homem doente da Europa”. Nessa época, uma onda de greves nos serviços públicos essenciais - até coveiros suspenderam suas atividades - destruiu a reputação do Estado de fazer uma gestão econômica prudente e de obter a cooperação dos sindicatos.
Quando assumiu, Thatcher reduziu o poder dos sindicatos e tornou severas as consequências para aqueles que participassem de greves. As medidas mais importantes nesse sentido foram tornar ilegais as greves sindicalizadas, obrigar o sindicato a escolher sua liderança por meio de uma eleição antes de uma greve e abolir o estabelecimento comercial que aderisse a qualquer movimento grevista.
No penúltimo ano de seu primeiro mandato, quando sua popularidade estava em um nível crítico por conta do desemprego, a Argentina invadiu as Ilhas Malvinas, reivindicando sua soberania sobre o território, que é de domínio britânico desde 1883. Com a vitória no conflito, Barker aponta que Thatcher foi capaz de devolver aos britânicos a autoconfiança e a identidade, abaladas pela crise no final da década de 1970, e assim conquistar sua primeira reeleição.
O carisma e poder de liderança de Thatcher deram aos britânicos a sensação de que o país voltava a ter força no cenário mundial. Mas, para Barker, há um aspecto perverso em devolver ao Reino Unido sua grandiosidade. "Ela deu a esse país uma ideia superestimada de que somos importantes. Que ainda temos de ser o que não somos. Que ainda temos de ter um Exército poderoso e armas nucleares.”
Imagem no exterior
Apesar da complexidade de sua imagem no cenário britânico, Thatcher tem uma posição estimada no restante do mundo – primeiro por ter colaborado com o fim da Guerra Fria (1947-1991) e também por ter sido a primeira premiê mulher do Reino Unido.

Foto: Reprodução
Meryl Streep (Margaret Thatcher) ao lado de Anthony Head (Geoffrey Howe) em cena do filme 'A Dama de Ferro'
O filme “A Dama de Ferro” destaca a hostilidade com que Thatcher foi tratada ao entrar no universo marcadamente masculino da política - primeiro no Partido Conservador, depois na Câmara dos Comuns. Para a historiadora Eliza Filby, Thatcher levou mais mulheres a entrar no mercado de trabalho, estudar em universidades ou abrir um negócio próprio. "Nos anos 1980, uma pesquisa apontava que 43% dos entrevistados achavam que as mulheres tinham de ficar em casa, enquanto, nos anos 1990, esse número caiu para 25%."
Entretanto, Thatcher não assumiu o poder do Reino Unido em meio a um movimento de influxo de mulheres no poder. Ela foi uma exceção e, na época, a escolha de sua candidatura não foi determinada pelo seu gênero. Ela era uma líder carismática que, por coincidência, era uma mulher. O professor Barker afirma que, para as feministas da época, em sua maior parte de esquerda, foi "decepcionante" ver que a mulher mais bem-sucedida na política não era uma radical ou uma progressista, mas uma conservadora.
A personagem de Meryl Streep, que acredita que suas decisões impopulares seriam aclamadas no futuro, talvez se surpreendesse com quão dúbia é sua imagem para a maior parte do povo que governou, segundo o professor Vinen. “Não há sinais de que as gerações tenham ficado gratas. Suponho que a comparação mais próxima seria com (Mikail) Gorbachev, que lançou reformas extraordinárias (na ex-União Soviética), mas é muito impopular na Rússia. Estranho como pouco respeitada é Thatcher em seu próprio país." infor  segurança nacional

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