sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Mudança climática alimenta guerras civis e brigas locais

RAFAEL GARCIA
DE SÃO PAULO

Quando o Nobel da Paz foi entregue ao IPCC (o painel do clima da ONU) em 2007, a fundação que concede o prêmio foi criticada: o que a paz tem a ver com o clima? Indícios de que o aquecimento global alimentaria conflitos eram muito esparsos na época, mas novos estudos sugerem que o Nobel acertou.
Após analisar mais de mil trabalhos sobre o tema, três pesquisadores americanos identificaram 60 trabalhos estatisticamente relevantes.
Mesmo eliminando os estudos menos confiáveis, o sinal estava lá: uma temperatura maior estava associada a um aumento no número de incidentes de violência.
Solomon Hsiang, da Universidade de Princeton (EUA), pesquisador que liderou os trabalhos de compilação, reuniu evidências de ciências diversas: arqueologia, criminologia, geografia, sociologia e psicologia e outras.
"Não concluímos que o clima seja a única --nem mesmo a principal-- força motriz dos conflitos", escreveu o cientista em estudo que assina com seus coautores Marshall Burke e Edward Miguel. "Mas quando ocorrem grandes variações de clima, elas podem ter efeito substancial na incidência de conflitos."
Nos estudos que tratavam de eventos atuais, o clima mostrou efeito em incidentes tão diversos quanto brigas em esportes, estupros, conflitos locais e guerras civis.
CAUSA E EFEITO
As razões pelas quais se acredita que o clima acirre conflitos são diversas, mas as principais são econômicas.
Uma delas é quando alterações de clima geram escassez de recursos como água doce, acirrando disputas regionais por esses bens. Quando condições de trabalho são comprometidas no campo, por exemplo, isso cria incentivo para trabalhadores se envolverem em conflitos, sejam suas causas legítimas ou não.
O trabalho de Burke cita um estudo de Daniel Hidalgo, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que vê uma relação dos conflitos de terra no Brasil com alterações no regime de chuvas.
"No Nordeste do Brasil, quase todos os cenários mostram que haverá maior imprevisibilidade das secas, e isso gera uma marginalidade [subaproveitamento] no uso da terra", diz o climatologista Carlos Nobre, secretário do Ministério da Ciência.
Paulo Artaxo, climatologista da USP, exibe em seu escritório um certificado da Fundação Nobel entregue aos cientistas que colaboraram com o trabalho do IPCC.
Segundo ele, uma das grandes contribuições do estudo de Hsiang é alertar cientistas de que as estimativas de impacto econômico do aquecimento global precisam levar em conta que um mundo mais quente será também mais conflituoso.
O trabalho de Hsiang já sofreu críticas por parte de alguns pesquisadores consultados pela própria "Science". Alguns críticos afirmam que a seleção de trabalhos foi enviesada, mas o pesquisador diz ter sido rigoroso ao eliminar da compilação os trabalhos pouco confiáveis.
Hsiang compara seu trabalho aos estudos pioneiros que identificaram uma correlação estatística entre o cigarro e o câncer pela primeira vez. Não havia ainda conhecimento da biologia por trás do problema, mas isso não significava que ele não existia.
"Mudanças climáticas podem influenciar conflitos por muitas vias", diz. "Políticas necessárias para a resolução de conflitos só podem ser construídas se entendermos como surgem os conflitos."
FOLHA ..SNB

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